sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O LOUCO: CONCRETUDE DA IDEIA


Escapa de mim a palavra, mas a força do signo me conduz à expressão. E me subjugo a eternidade - soma de todos os tempos - e me plasmo no infinito - soma de todos os espaços -. E permito desintegrar-me em ideias, recorro ao sonho e ao delírio, e assim me transporto para o desconhecido. Impulsionado pela imaginação me elevo aos céus e desço às entranhas da terra. Permito-me queimar no magma. Adianto-me no espaço e no tempo e ultrapasso o brilho das estrelas. Desembaraço-me da consciência de mim... O pensamento desconhece então a tangência do existir. E então a vida me acontece... Destemido deslacro o mistério e me orno com os louros do que é insano em mim. Perco-me de mim, tu porém pega do fio da meada que se desprende em novelo de mim. E sabes que sou, embora eu já me despeça inebriado daquilo que seria tu. 


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

QUANDO O AMOR ACONTECE



     Esta estória começa há incontáveis dias de meu passado. Naquela idade em que saímos da infância e vemo-nos repentinamente lançados para uma fase da vida repleta de mudanças. Quando se inicia a juventude.
     Havia eu principiado no progresso de meus estudos sempre afincadamente exigindo o máximo de mim no que se referia a brilhar como estudante. Tinha acabado uma fase escolar e ingressado após exame rigoroso de avaliação no ensino médio, que me colocava a poucos passos de uma possível universidade. Nessa fase da vida em que os sentimentos ainda dissolvidos como que numa pintura que vai para além da moldura de um quadro, iniciava eu sem o saber a configurar toda uma jornada que me conduziria a ingressar na vida adulta.
     Completava praticamente quinze anos. Tudo era festivo e movia-me eu como qualquer jovem ainda pela insondável ausência de tristezas profundas ou alegrias exultantes. Os sentimentos todos eram de uma espontaneidade inexplicável que se conduziam ao sofrer ao mesmo tempo também resultava numa maresia tranquila de ausência de qualquer dor.
     Lembro-me bem da alegria do ambiente familiar daqueles anos. Hoje já em idade bem avançada é que me dou conta do quanto era bom ter sempre quem me definia os limites de minhas ações. Ao despertar já me deparava com minha mãe à preparar o café da manhã enquanto meu pai prolongava um pouco mais seu descanso ainda recluso em seu quarto. Bem cedo saia da cama, pois deveria estar na escola pouco tempo depois do raiar do dia. Todos meus irmãos estudavam em horário diverso do meu, portanto tomava meu café da manhã calado num mutismo que envolvia eu e mamãe, e logo me despachava para pegar o ônibus que me conduziria ao colégio. Vestia meu uniforme exigido a critério e, nos dias de educação física, levava ainda para trocar no vestiário do colégio, o uniforme para as  aulas de prática de esportes.
     Havia namorado uma menina, Iolanda, no ginásio e apesar de termos interrompido o namoro estudava ela também no mesmo colégio. No primeiro ano não aconteceu de cruzarmos um com o outro. Eu muito saudável que era enfrentava o regime austero do colégio com plena disposição para as atividades em todos os aspectos do novo regime escolar estabelecido. Somente como sempre um pouco débil para a educação física.
     Foi quando no primeiro ano já passado uns três meses ou mais de aula, ao acaso me deparei com um rapaz no corredor da escola que chamou minha atenção. Isso devido a seu físico bem formado, músculos e altura bem definidos a dar inveja a qualquer um. Pele um pouco morena e cabelos pretos. Vez por outra cruzamos um com o outro subindo ou descendo as escadas do prédio escolar, bem como nos corredores.
    Mal sabia eu o que me reservava aquele personagem em minha vida conjugado a minha primeira namorada.
     Rigoroso que era o colégio na época, as classes dividiam-se em masculinas e femininas, o que deixou de vigorar a partir do segundo ano.
     Foi então que passada as férias de final de ano, vi-me quando regressei as aulas, dividindo com o colega de vista a mesma sala de aula que eu.
    Minha namorada fazia um curso especial preparatório para pedagogia. O que a colocava bem distante de mim era mesmo raro que nos encontrássemos. Para isso era necessário alguma coincidência, ou marcarmos mesmo um encontro.
     Logo no início do segundo ano o rapaz que conhecera no ano anterior e eu fizemos amizade e começamos a trocar conversa.  Já que estávamos na mesma sala, tornamo-nos íntimos um do outro. Certo, lembro-me bem, entrei na sala de aula e dei com ele lendo uma bíblia logo num dos primeiros dias de aula. Ele demonstrava estar bem concentrado na leitura e nem deu por mim. Comecei então a reparar que, sempre que havia algum momento de intervalo, fosse no decorrer das aulas ou mesmo no intervalo mais prolongado que tínhamos entre elas, sua atitude era sempre a mesma. Concentrava-se na leitura do livro sagrado e permanecia quieto.
    Marquei então um encontro com minha ex-namorada. Entrava eu ao acaso pelo portão do prédio quando demos um com o outro. Ela me chamou em particular e disse que tinha algo que queria muito me dizer. Pensei que na certa se tratasse de reatarmos o namoro. Mas, não disse coisa alguma, aguardei o dia do encontro.
     Para minha surpresa Iolanda nem tocou em assunto de namoro. Em lugar disso veio com um folheto nas mãos que entregou e disse que havia mudado de religião e queria que levasse adiante um estudo bíblico com ela. Surpreso não disse sim nem não. Simplesmente agradeci pelo panfleto e voltei à sala de aula, o sinal entre uma aula e outra já estava para tocar.
     Havia algo de peculiar quanto aos horários de meu novo amigo de turma. Ele não tinha um horário preciso para adentrar nas aulas. Mais tarde ele justificou isso me dizendo morar muito distante da escola e que conseguira uma autorização para entrada fora do horário determinado. Quase todos os dias ele compartilhava uma das primeiras carteiras da sala de aula, próxima da minha, com uma garota que se assentava como eu logo em uma das primeiras filas de alunos. Certo dia sem que eu menos esperasse meu amigo que passarei a chamar de Antônio Carlos, veio junto a mim com sua bíblia e interpelou-me. Qual era minha religião.
     - Católico – respondi eu.
     - Gostaria de estudar as escrituras comigo? Há muitas verdades que você deve conhecer. Estou certo que se dedicar tempo a um estudo comigo haverá de dar-se conta do quanto sua religião é infiel ao que diz a bíblia. – Foram mais ou menos estas suas palavras.
     Eu não vi maldade nenhuma em sua proposta. E disse que podíamos sim estudar as escrituras. Ele então já de iniciou em breves momentos de tempo que dispomos durante as aulas, me apontou versículos da bíblia, que iam de encontro com a doutrina católica. Como a questão de ídolos e imagens, a reverência e culto a virgem Maria, o celibato de padres e freiras e etc... Nada daquilo me surpreendia, sabia bem o que um protestante pensava do catolicismo.
    E assim fui para casa tranquilo como sempre. Ao chegar almocei e dei conta de apressar as tarefas de escola para que pudesse descansar. Lembrei-me então da abordagem de Antônio Carlos sobre a religião e a bíblia e de imediato fui em busca de duas que tinha em casa. Uma católica que uma de minhas irmãs ganhara de uma amiga íntima de mamãe. E outra protestante também presenteada a uma de minhas irmãs por alguém que eu desconhecia. Não era mesmo hábito ler-se a bíblia em minha casa. Levei as duas para o quarto e as deixei lá. Retirei da gaveta do criado mudo o panfleto religioso que Iolanda me dera e coloquei junto das duas bíblias.
    Já no dia seguinte iniciou-se sem que menos me desse conta o que seria por mais de um ano, um verdadeiro embate, um duelo entre Iolanda e meu amigo, cada um a querer convencer-me da verdade de sua religião em detrimento da minha. Em busca de minha conversão ao protestantismo. Perspicaz que sempre fui, a cada ponto que apontavam como verdade irrefutável, outro ponto a seguir ou quase junto eu deixava em aberto quanto ao meu impasse, em que me colocavam sobre a religiosidade. E era impasse meu, pois ambos estavam plenamente convencidos de suas crenças, e se davam por donos da verdade.
     Foi então, que certo dia, inesperadamente, principiei a ver e a sentir algo quanto à pessoa de meu amigo. Algo de inusitado e incomum. Uma coisa inexplicável que me varria todos os recônditos de meu ser. Entristecia-me a alma, e provoca desconforto imenso em meu coração, meus sentimentos.
         Não sabia e nem consegui por quase que mais de um ano definir os sentimentos que começaram a medrar em mim, a se instalar em meu coração liberto ainda de emoções fortes. Acordava-me e adormecia pensando em meu amigo. E quanto mais junto dele estava, mais junto desejava permanecer. Iolanda e o sentimento que nos unira de modo algum tinha lugar no palco de minhas emoções durante esse longo espaço de tempo. E meus dias me foram por verdadeiro suplício. Em meu ser foi invadido por sentimentos que me embriagaram. Tomado fui por profunda comoção que a pessoa de meu amigo despertava em mim.
     Foram dias mesmo insuportáveis logo de início. Porém com o passar do tempo cheguei a habituar-me com todo o drama a que me vi lançado naquela ocasião. As discussões religiosas serviam de um caminho para ter junto de mim meu então venerado amigo. E tudo transcorria a meu ver de forma natural e sem nenhuma maldade ou qualquer coisa do gênero.
     Todos os dias por longo tempo lia a bíblia em companhia dele, levava minhas dúvidas até Iolanda que as rebatia com outra visão das escrituras.
     E assim transcorreu-se praticamente por mais de um ano todo esse embate religioso, bem como meu sentimento inexplicável pelo rapaz.
    Certo dia ao acaso, perguntei se podia lhe escrever uma carta e ele disse que não haveria problema.
    Deu-me então seu endereço e logo quase que no dia seguinte fui até lá, só para poder ver de longe onde residia aquele que no momento era senhor de meus pensamentos, e tanto me fazia sofrer quieto e em silêncio.  Para minha surpresa, embora o endereço ficava em região bem mais nobre que onde morava eu, próximo ao centro da capital da cidade. Sua casa ficava nas proximidades de um cemitério, numa ruazinha sem saída onde as casinhas se amontoavam. Doeu-me a pobreza de meu amigo tão chegado.
     Foi então que aproximou-se meu ingresso para o terceiro ano do colégio. Tomei eu como que séria decisão. Decidi-me mesmo a dar outro rumo a tudo o que se passava.
     Arrumei um emprego e comecei a trabalhar num banco com objetivo de iniciar mesmo a ter meu próprio dinheiro e começar a conquistar a independência de meus pais.  Rumo a minha liberdade. Liberdade comum aspirada por qualquer adolescente que adentra a juventude.
    Iniciou-se as aulas do terceiro ano do colégio. A memória de meu amigo que deixara no período matutino, continuava ainda a não só inquietar-me, como permanecia impertinente a conduzindo-me à tristeza e à saudade.
  
      Certa noite quando estava em plena aula, repentinamente batem à porta da sala  o professor dirige-se até ela e abre. Para surpresa minha ele disse que alguém me chamava ao corredor. Pedi permissão e sai, alertado pelo professor que não me demorasse.
    Qual não foi meu espanto quando me deparei com meu amigo que se postava à minha frente, com seu ar distraidamente decisivo e corajoso como sempre. Estremeci mesmo da cabeça aos pés, acreditava-me livre e liberto daquele fantasma.
    Exigia meu caro amigo da época, uma explicação para o fato de eu haver mudado de período. Sem participar-lhe nada. Como se nossa amizade não tivesse significado algum.
     Eu então meio desconcertado disse de modo incisivo.   
     - Volte amanhã na hora do intervalo e então sairei mais cedo do colégio e conversaremos.
     E assim se deu. No dia seguinte no horário de intervalo
das aulas o rapaz apareceu repentinamente na entrada do pátio da escola. Fui ao seu encontro e saímos a passear pelas redondezas próximas, não nos arriscando ir muito longe do prédio escolar, já era tarde da noite.
    Eu caminhei por longo tempo calado. Só ouvia meu amigo em seus protestos de completa ausência de sentimento de amizade de minha parte para com ele.
Como era capaz de desfazer os vínculos que tínhamos daquele modo. Tão inesperado como de forma a nunca mais nos encontrarmos.
      A esta altura interrompi ele e aproveitando-me do ensejo disse sem dar-me conta de minhas palavras:
     - Era exatamente mesmo este meu objetivo. Separar-me de você de modo a não deixar rastro que permitisse que me seguisse e voltássemos a ter contato.
    - Como diz uma coisa destas? – Interrogou-me surpreso com minhas palavras o meu caro amigo.
   Eu então tomado de imensa coragem que me veio, desatei num palavreado de certo modo longo, porém incisivo naquilo que tinha a dizer. De uma vez só coloquei todo o exaltado sentimento que me envolvia a sua pessoa. Como ainda o sofrimento que isso me causava. E a certeza de que era o melhor para nós a separação. Não via sentido em mantermos aquela, desproposital amizade. Embora tão bela e de caráter tão puro.
     Ao terminar quase que chorava tal era a profundidade emocional que me envolvia. Para o meu amigo também não foi diferente, ele numa atitude que percebia eu de assombro, ouviu-me em tudo e guardou longo silêncio o qual eu não ousei interromper. A verdade é que minha vontade era de ver-me livre dele o mais rápido possível.
    Subitamente ele começou a soltar algumas palavras de modo titubeante, sua voz tremia.
    Resumidamente leitor foi isto que meu amigo me disse:
“Eu também sempre senti algo de muito profundo mesmo por você. A meu modo nunca consegui explicação para o sentimento que nos unia. Se vim lhe procurar nesta noite foi exatamente porque não sabia mesmo como conduzir minha vida na ausência de sua companhia, que sempre quis como sombra a meu lado. Se ninguém se escandalizasse estou certo que trocaríamos mesmo um beijo na face toda vez que nos encontrássemos”.
    Eu permaneci em silêncio e deste modo então nos

despedimos violentamente um do outro. Não houve aperto de mão ou abraço. A força com que contínhamos nossas emoções tornou tudo imperiosamente difícil para ambos nós dois e nada mais fizemos que seguir rumos opostos na escuridão da noite que nos envolvia.


FIM

                                         Ivan de Alencar


segunda-feira, 21 de março de 2016

"UM CONTO"

MEU INESQUECÍVEL AMIGO JOHN

     Ora era eu. Ora era John. Nunca nós dois. Nunca nós ambos. Todo um infinito nos separava. Toda uma imensidão nos dividia. Jamais ocorreu a mim nem a John que houvesse comunhão possível em algum lugar para nós.           Que houvesse uma forma de dividir. Uma forma de compartilhar.
     O que eu queria, John desprezava. O que John aceitava eu renegava. Então era assim como se habitássemos dois mundos diversos.
     Talvez o que me fosse por paraíso, para John fosse inferno. E o que para John era por inferno. Para mim paraíso era.
     Talvez ainda, vivêssemos como em ilhas distantes num imenso oceano. Cada um ilhado um do outro. Cada um sem dar-se conta, senhor em sua própria índole de sua própria solidão.
     Só sei que por longa data fomos próximos. De certo modo companheiros de jornada. E a vida de cada um de nós, partilhamos juntos por considerável espaço de tempo. Tempo o suficiente para que eu conhecesse os gostos, os hábitos, os costumes de John e ele os meus.
      E por mais que possa parecer impossível nunca partilhamos se quer uma alegria em comum ou ainda comungamos nenhuma mesma tristeza. Somente de modo estranho, insondável e sem hostilidade, convivemos vida afora, não por tão curto espaço de tempo. De modo que o que juntos vivemos passamos a considerar uma simples amizade.
       Conhecemo-nos ao acaso apresentados por pessoas de nosso círculo de convivência. E pouco tempo após apertarmos as mãos, já iniciamos a trocar algumas palavras, bem como a guardar silêncios incomuns no convívio entre duas pessoas.
      Morávamos próximos, de modo que facilmente nos encontrávamos para desfrutar senão da companhia um do outro, somente da presença física e do silêncio que nos envolvia.
     E acredito que de modo peculiar manter-mo-nos um na companhia do outro, fez com que nos apegássemos e nos tornássemos habituados um ao outro.
     Pode mesmo até ser que, justamente por não haver entre nós, qualidades ou defeitos, em comum. Isso nos tornou de certo modo íntimos e próximos. Respeitando cada um o modo peculiar de ser do outro.
      E então conseguimos determinar um ponto de intersecção entre nós dois. Entre nossas personalidades conflitantes. Entre os aspectos marcantes e diferenciados, inclusive de conceber o que era a vida. O que cada um ambicionava e o que para cada um era como por esperança para o futuro... Arrebatando assim de nosso convívio também a possibilidade de confidências, de partilhar possíveis segredos.
      Quando de nossos encontros casuais ou não, saudava-mo-nos  com um aperto de mão. E indagávamos  como haviam sido os dias que permanecemos distantes, e logo em seguida vinham aqueles longos e quase incômodos prolongados momentos de silêncio. Nos quais um, porque não dizer em respeito ao outro, suportava sem nunca questionar o que significava aquilo... Ou a razão de querer-

mo-nos um ao alcance do outro sempre que possível.
     E foi assim que por longa data mantive meu relacionamento com John. Vivendo algo que me deixaria uma marca profunda. Pois aquilo que defini como amizade entre eu e sua pessoa, só mais tarde com mais clareza pude perceber, o quanto supriu o meu amigo, e eu na certa a ele, a possibilidade de um padecimento maior de vida, caso não tivéssemos um ao outro durante aquele transcurso de nossa existência. Como uma estação do ano que transcorre no tempo, e logo nos deixa dela saudosos em relação à estação seguinte.
      Tive porque não admitir, talvez a possibilidade que poucos podem vir a ter, de um relacionamento ímpar, de uma amizade difícil de ser definida como tal, mas que não foi nada mais além que uma simples amizade.
      Hoje quando volto ao passado e me recordo daquele convívio com meu amigo, dou-me conta saudoso de sua pessoa. E de seu modo peculiar de ser. E isso sem entristecer-me... Sem causar em mim nada senão uma sensação nostálgica de idos passados, de quando era mais jovem.
      Impossível me é prolongar-me mais nesse relato, pois não me concederia falar aqui da pessoa de meu amigo. Do que ele em mim despertava, de qualquer qualidade ou defeito seu.
     E isso porque me é caro e precioso, guardar comigo a recordação que dele trago. Daquele rapaz que de modo estranhamente insondável cruzou meu caminho e eu o dele.
    Da parte dele bem o sei, que algo em semelhança se deu quando de nossa repentina separação. Ou seja, ele levou consigo uma memória de mim, que jamais será legada fácil também ao esquecimento.
     E assim como casualmente nos conhecemos, de modo casual, também nos separamos. Ele simplesmente certo dia por motivo de ter que ausentar-se para longe, veio até mim e participando sua partida, trocamos um aperto de mão seguido de um abraço.
       E o que de forma singular vivemos, ficou lacrado no passado de cada um de nós, sendo que sei comigo que jamais na vida encontrarei alguém como John, capaz de  proporcionar a mim e eu a ele, um incontestável e peculiar relacionamento de amizade.
     E então leitor eu lhe afirmo. O que vivi ao lado de John foi, dos relacionamentos que tive em minha vida um dos mais caros e preciosos. O que se deu entre eu e aquele rapaz de características tão diversas das minhas, e com o qual nunca dividi nada de meu, nem ele nada de seu. Conservo em meu coração como uma pedra rara, caída dos céus como uma joia que com amor e carinho guardo dentro de meu coração.

FIM

       

POEMA URBANO

MARCANDO PARA OS SUBÚRBIOS


Do cerne central
Da grande metrópole,
Onde blocos gigantes
Aos céus se elevam,
E o corpo faz trêmulo,
Quando os olhos contemplam
De encontro ao azul magnífico dos céus,
Os imensos arranha-céus...
Parte pelas ruas e avenidas,
Enroscando-se por dentre assas estruturas
Por um labirinto,
 Rumando aos porões da cidade,
 Rompendo o ventre da gigantesca metrópole,
Desentrincheirando os meandros ainda por vir,
Ninhos de áspides e serpentes...
E ocultando-se quanto mais se vai adiante,
Distanciando-se do cerne de onde se partiu,
Alcança-se enfim habitat desses entes...
São míseras formações,
Que se recolhem de forma turva pelas periferias,
Distantes do centro da cidade.
E o olhar que outrora contemplava os edifícios,
Agora faz fremir o corpo,
E busca-se conter as lágrimas,
Que insistem em escorrer...
De cobras peçonhentas que eram,
Habitando em conjunto agora com outros corpos,
Feito vermes em atoleiros,
Percorrem os caminhos,
Por entre o fervilhar de toda gente.
Na caminhada que se segue,
Recolhem-se estes entes,
Nos morros e vales periféricos,
Como que em virulentos e odiosos ninhos,
Figuras errantes se aglomeram,
E exala o odor fétido da miséria.
E os excrementos escorrem,
Por veios próximos às paupérrimas habitações.
 E assim apodrecem em águas corredias,
Por vezes estagnadas.
E os habitantes que ocupam estes recantos
Trevosos,
Que se o sol recebem é só para clarear e,
Tornar à vista a parte mais asquerosa,
E indesejável,
Daquilo que ainda persiste ser,
A grande metrópole...
E estes habitantes agora,
Erguem aos deuses sua voz,
Em busca de que os ouçam em sua miséria reinante.
Vítimas de doenças e males,
Que os outrora blocos gigantes,
Ficados para trás querem ocultar,
Como em submundos dos porões,
Da urbe...
E os habitantes da metrópole,
Na grande maioria disfarça o terror,
Que os acomete,
Persistindo em esquecer,
Aquele verdadeiro câncer,
Que oblitera a cidade.
Os seres periféricos,
Os áspides e serpentes,
Persistem em sobreviver,
E vez ou outra,
Pelo anoitecer,
Avançam silenciosos,
Saídos de seus ninhos,
E prontos para atacar febris,
De cobras que eram em celerados e ladrões
Transformam-se...
E atacam qualquer habitante,
Da ousada e magnífica metrópole.
E se ergue então aos ouvidos dos deuses,
O praguejar dos legados ao esquecimento,
Bem como dos assaltados pelos que habitam,
Os territórios mais próximos do cerne urbano,
Em coro e infernal orquestra,
Da vasta e gigantesca edificação...
Que como se em uma Babel se constituísse,
E vingança divina exigisse,
Pergunto-me então eu,
Ao azul dos céus elevando os olhos,
Até quando,
Até quando...
Isso tudo persistirá.





ARTHUR E O DESENCONTRO DE UMA VIDA

         Como falarei daquilo que só me conduz ao espanto e nada mais. Como obter um rumo para as palavras se o que pretendo dizer condiz em violar de certa forma o lacre de um silêncio que prometi  manter inviolável.
         Haverei de estabelecer entre eu e quem me lê um pacto, uma espécie de ruptura. Estabelecerei uma trincheira. Traçarei duas paralelas, para que possa abrir um vão  entre eu e Arthur. Entre eu e aquele que me leva como que a sentir-me atraiçoado, pois em verdade é essa a questão, devo trair a mim mesmo. E trair-me logo em minha essência, pois no momento exato em que transcrevo aqui o que se passou, me dou conta que haverá em mim um arrependimento. Um arrependimento eterno em haver eu  atrevido-me  a narrar algo que pode depor contra mim mesmo. Pois o que pretendo aqui é estabelecer um julgamento, determinar uma sentença, fixar um veredito.
         Tenho para mim que aqueles que se sabem capazes de vileza, ou que não se importam em optar pela mentira, quando a verdade lhes está não só ao alcance, mas inclusive lhes bate à porta, deveriam eximir-se de julgar ao seu próximo em qualquer  ato, sentimento ou mesmo comportamento que assim o seja.
         Arthur não era em verdade o tipo de pessoa confiável, eu o sabia bem, conhecíamos ambos, um ao outro o suficiente, para que se estabelecesse entre nós, desde uma possível cumplicidade, até o mais completo repúdio.
         No entanto, permiti que se prolongasse nossa convivência, pois lá no fundo sabia, que se existia alguém capaz de guardar um segredo, algo que não me deixaria exposto ao cadafalso esse  alguém era Arthur.
         Sendo assim decidi que partilharia com ele o que se passou em minha vida, e transformou-me num marginal  ou melhor dizendo, me pôs a margem do comum das pessoas. Pois não é qualquer um, que havendo cometido um crime, consegue ocultá-lo por um longo espaço de tempo, mantendo em seu íntimo a mais pura e indelével ausência de remorso.
         Tinha para mim ainda como que incontestável, a certeza de que não me eximiria em cometer um segundo crime para ocultar o primeiro, se necessário  fosse.
         Sendo assim,  revesti meu relacionamento com Arthur, guardião de um segredo meu, com o mesmo caráter que reveste um criminoso à um sacerdote ao qual confessa seu crime. Sabedor que em seu sacerdócio aquele que  recebeu o segredo jamais decairá de seu posto de sacerdote violando seu juramento perante o confessionário.
         E tornamo-nos íntimos. E partilhamos momentos inesquecíveis, ao menos para mim, que sabia lá em meu íntimo, plenamente capaz de dar fim ao  outro se me revelasse em confissão.
        

          Numa tarde de domingo, quando resolvidos a encompridar um pouco mais o tempo que dispúnhamos da companhia um do outro, decidi por a prova meu companheiro.
         Acrescentei em poucas e lacônicas palavras que logo eu, um assassino no passado, haveria não só de redimir-me de meu crime, bem como bonificaria quem se propusesse a auxiliar-me nisso.
         Concluiu daí meu companheiro, que estava eu disposto a pegar a pena por meu delito. Mal sabia ele, que minha intenção primeira era em verdade, resgatar-me justamente da possibilidade de me ver delatado.
         Separamo-nos após eu haver afirmado convictamente a ele, que estivesse prevenido, pois eu em breve na certa estaria atrás das grades pagando minha a pena.
         Resolvido em acabar com aquilo que considerava um verdadeiro desencontro de vida,  pois sabia que a qualquer momento poderia cair nas mãos daquele que era senhor de meu segredo. Não me foi necessário muita coragem para que arquitetasse um ardil, através do qual me veria livre inclusive da possibilidade mesmo de uma chantagem. Pois Arthur como o disse, não era pessoa confiável. E se por um espaço considerável de tempo houve entre nós convivência, foi porque de minha parte, em meu íntimo, satisfazia-me a idéia de alguém conivente com minha condição de criminoso.
         No espaço de uma semana consegui planejar tudo. Conhecia um local, onde não só poderia dar cabo de meu companheiro, bem como de forma alguma descobririam onde estaria oculto seu cadáver.
         Tratava-se de um local pouco freqüentado, uma verdadeira mata nos arredores da cidade, onde havia um poço profundo, há muito na certa abandonado e inclusive lacrado por uma tampa de cimento. Ninguém jamais deduziria que ali, bem naquele local, ocultar-se-iam dois corpos. Um lá depositado por mim há bom tempo quando de meu primeiro assassinato. O segundo seria o de Arthur.
         Marquei  um encontro pois com ele, e propus que fossemos conhecer um local deveras curioso, que poucos costumavam na certa freqüentar.
         Chegamos à citada mata e conduzi  meu companheiro até o local do poço. Ao chegar lá, convenci-o a auxiliar-me em remover a tampa do mesmo para que avaliássemos sua profundidade.
         Removida a tampa, olhei para o interior do poço e exclamei: “veja, parece que há água! E algo flutua nela!”
         Arthur então debruçasse na beirada do buraco eu por minha vez sem hesitar empurro-o para as profundezas do poço.
          Ouvi o som do impacto no que seria o charco no fundo do buraco, e um princípio de grito, o qual silencie de imediato, usando de todas as minhas forças e lacrando  com a tampa de cimento novamente o poço.
         Acendi um cigarro, observei a paisagem a meu redor, e confiante que mais uma vez estava liberto de qualquer possibilidade de condenação parti rumo à cidade.
         Mal dei dez passos em direção a minha liberdade, de certa forma viciosa, - liberdade daqueles que ousam estabelecer para si próprios suas próprias leis -,  e esbarrei num guarda. Um policial que passara por  acaso no local e presenciou a distância o momento em que atirei o corpo de Arthur nas profundezas do poço e lacrei com a tampa.
         Hoje, decido a narrar o que se passou de dentro da cela quadrada,  fria e inóspita em que me encontro. Ainda trago em minha alma a mesma atitude de irreverência. Importando-me pouco com o fato de estar privado de uma possível pretensão de redimir-me.
         Em verdade, o que me importa é saber que a natureza daquilo que deixou de ser segredo, tornando-se mesmo manchete de jornais, é também de certa forma, algo que cedo escapa à memória dos que conhecedores do fato, julgaram-me, condenaram-me e determinaram-me a sentença.
         Esquecido em minha cela, sei também que,  dissolvida se encontra na marginalidade o que disse se entrincheirar entre eu e Arthur. Meu remorso. E permanece incontestável  para mim, e só para mim, minha heróica libertação.




FIM

domingo, 20 de março de 2016

"UM BRASIL EM CRISE... PARA ALÉM DA CORRUPÇÃO POLÍTICA"

A esta altura dos acontecimentos em que a nação brasileira se divide em duas facções: uma de apoio ao governo petista, outra que o contesta. Pergunto-me onde encontram-se os verdadeiros representantes da esquerda política na nação. Aqueles que em verdade contestam o sistema capitalista. Na certa, não estão presentes nesse levante em massa.  Pois não se ergue nenhuma bandeira que os represente. O operariado, a classe trabalhadora, os oprimidos pela pobreza e miséria reinantes ainda na nação. Encontram-se dispersos no que diz respeito aos protestos em massa. Na obscuridade de um sistema ora opressor, que digladia com mão de ferro com certa parcela da população. Talvez esteja aguardando aqueles que insistem em se manter no poder, o agravamento maior do que já se passa. Ou seja a marcha dos mascarados unindo-se em movimento e vandalizando, não já sem motivo justo. Na certa demore ainda por algum tempo, e sabe-se Deus lá até quando. Que regresse o Brasil ao sossego de poder-se com clareza avaliar politicamente quem representa a direita e a esquerda, na política em nossa nação.  


FILHOS DE CAIM


“Ouve a minha voz...
escutai as minhas palavras: eu matei um homem...
e um adolescente...  Caim será vingado sete vezes,
mas...serei setenta vezes sete”.

                                             Do Livro do Gênesis


     Como sempre logo ao escurecer reuniam-se os quatro irmãos ao redor da mesa de jantar e servidos pelo empregado da casa comiam em silêncio. Após a refeição e retirados da mesa os pratos ainda por alguns momentos permaneciam ali reunidos.
     No geral era sempre assim: ao anoitecer quando desocupados cada um de seus deleites diurnos deparavam-se de frente uns com os outros na hora do jantar.
    Ocupavam o velho casarão que pertencera a seus antepassados. E órfãos que eram convivam já há longo tempo enclausurados naquela casa e restritos a seus hábitos na certa senão excêntricos,  extravagantes.   Qualquer um que contato tivesse com aquele quarteto por assim dizer, haveria de repudiar sua conduta nada sociável.  Há tempos permaneciam naquele ambiente obscuro e sombrio. E não fosse o aspecto irregular de seus hábitos, como dito incomuns, talvez houvesse ainda um meio de se deslocarem de ambiente tão vicioso. Tão sobrecarregado de laços que,  se num aspecto os unia,  por outro  fazia de cada um deles um fantasma em potencial.
     Houve conhecidos que por algum tempo buscaram proximidade, tentaram mesmo alegrar o ambiente que pela resistência dos quatro em acatar qualquer princípio de amizade findaram se afastando.
     E o mórbido e voraz caráter de cada um era o divisor comum daqueles quatro irmãos certamente desafortunados de qualquer tipo de real nobreza de alma. E isso na verdade desde crianças. O que inviabilizava uma possibilidade equitativa de comportamento sadio. Eram então agora três rapazes e uma moça que em potencial na certa se enfrentariam, na disputa e soberba, características de cada um; se tentassem persuadir uns aos outros numa possível mudança de comportamento, ou ainda simplesmente aliarem-se num mesmo propósito, diverso daquele que os unia.
     Compactuados eram num procedimento que os tornava cúmplices uns dos outros.
      Terminado o jantar naquela noite de domingo Norberto  o mais velho dos quatro levanta-se da mesa e anuncia com voz firme:
      - Meus queridos irmãos,  estou de saída. Esta noite a missão é minha, já vou indo até mais.
      - Até Norberto – foi a resposta da boca de alguns.
     Já as trevas reinavam densas quando Norberto atravessou o umbral do sombrio casarão. Passou a chave no cadeado do portão após sair, bem como certificou-se pondo a mão na cintura  se não deixava para trás sua faca de caça  idêntica a de cada um dos outros quatro irmãos .
     Tomou o rumo esquerdo da calçada e a passos vagarosos caminhou por vários minutos displicentemente estacando somente a certa altura devido a um barulho que lhe veio aos ouvidos de passos a se aproximarem.
     Buscou refugiar-se nas sombras o mais que pode e permitiu assim que o transeunte que seguia na mesma calçada que a sua,  passasse por ele  sem se quer notá-lo.
     Aguardou alguns segundos e pôs-se a seguir o estranho que virando as costas e dando conta de que era seguido  apertou o passo. Norberto foi mais ligeiro e atacando o estranho pelas costas, corta-lhe a garganta com sua faca,  arrebatando do sujeito em seguida seus valores pessoais.
    Usando luvas retirou Norberto do bolso do casaco um pedaço de pano e limpou a lâmina da arma embolsando em seguida de volta o pedaço de tecido manchado de sangue.
    Sem demonstrar qualquer temor ou alteração de humor. Deu as costas e rumou de regresso ao antro que lhe servia por lar. Lá chegando procurou como sempre fazer silêncio para não incomodar o sono dos demais. Caminhou rumo ao cofre atrás de um dos quadros da sala e introduziu nele o fruto do latrocínio. Em seguida foi até o porão e atirou o tecido ensanguentado nas chamas do aquecedor da casa e lavou as manchas de sangue da luva numa pia.
      Subiu então de volta para sala, sentou-se por um tempo numa poltrona. O olhar perdido no vazio da sala sombriamente iluminada por algumas velas. Passou-se menos de dois minutos e logo subiu rumo a seu quarto no andar superior.
     Abrindo a porta do quarto mansamente a passos de gato entrou no aposento. Passou a chave, tratou de tirar as vestes, e deitou-se.  Adormecendo logo como tomado pelo sono dos justos.
      Decorridos sete dias, novamente jantavam reunidos os quatro irmãos. Reinava silêncio no ambiente da sala de jantar. Juliano, o mordomo,  que desde o falecimento dos pais dos moços persistia como empregado da casa. De pé em prontidão, atendeu a ordem de tirar a mesa assim que terminaram a refeição.
     Passaram então os quatro para a sala de estar, onde, as chamas das velas dourava o ambiente em trevas. Dimas o segundo irmão abaixo de Norberto, tomou do isqueiro de mesa e ascendendo seu charuto, dirigiu-se aos demais dizendo:
     - Muito bem, boa noite, já estou de saída. Ao que os demais consentiram sem nenhum comentário, a não ser Vitória a mais nova que, num tom irônico e um sorriso enigmático disse: “Se encontrar alguma jóia que me caia bem, eu não me importo de ser presenteada”.
    Dimas sem dar resposta dirigiu-se para a porta e desapareceu na noite escura.
     Assim como Noberto, sete dias atrás, ele também caminhou a passos lentos pela calçada. Olhou o relógio de bolso, já caminhava a uns bons vinte minutos, quando ouviu passos vindos em sua direção. Tornou-se mais vagaroso seu caminhar, e cruzou com ele um casal que na certa passeava pela noite, ou ia rumo à alguma festa visto os trajes.
     Dimas exclamou consigo próprio: “Maldição, não poderia ser um só, tinha que tratar-se de dois!”. E prosseguiu em sua caminhada lenta e compassada. Virou a primeira esquina e deu de ombros com um senhor já com certa idade, este voltando-se para o rapaz, desculpou-se.
    Mal os lábios do velho homem se fecharam em suas palavras de desculpas, e um veio de sangue escorreu no canto dos lábios contraídos. Dimas já o havia esfaqueado em cheio no ventre.
    Tomadas as devidas precauções quanto aos vestígios do crime, assim como o fizera o irmão. Deu as costas e rumou para o casarão. A madrugada já avançava.
    Assim como Norberto, Dimas também evitou ao máximo qualquer barulho. Por sorte deparou-se com a lareira acesa, e ali mesmo atirou o tecido manchado de sangue com o qual limpara sua faca.  Em seguida virou-se de costas e quase morreu de susto, deu de frente com Juliano que  simplesmente lhe inquiriu:
   - Deseja alguma coisa ainda esta noite senhor?
   - Não - foi a resposta de Dimas, suspirando aliviado. Deu um cortês “boa noite” ao serviçal e subiu para seu quarto, após depositar no cofre da parede da sala, um relógio e a carteira do velho que assassinara. Despertou já tarde no dia seguinte.
     Decorridos outros sete dias, mais uma vez reunidos os quatro irmãos à mesa do jantar, desta vez foi Higor que pronunciou a sua sentença de despedida e adentrou-se na escuridão da noite.
     Nessa mesma noite sai  logo atrás do irmão,  Dimas em busca de um local onde comprar os charutos sem os quais não passava. Caminhou distraído por longo tempo, chegou mesmo a parar num local e tomar uma bebida antes de alcançar a tabacaria. Comprados os charutos tomou a direção de volta para casa.  Passou duas quadras e virou à direita dando de frente com  outro homem que vinha na mesma direção dele  com os olhos a contemplar os próprios passos.
    Ao se depararem este num ato súbito finca-lhe no ventre uma faca. O assassino estremece e atônito queda ao chão e debulhasse em lágrimas. Tratava-se de Higor que acabara de assassinar o próprio irmão Dimas.
    Envolvido num terror profundo, ainda assim lhe volta o sangue frio e calculista dos homicidas e deduz de imediato consigo: “devo ocultar o corpo em algum lugar,  pois meu irmão morto se descoberto seria a ruína de todos nós’’. Nisso principia a arrastar o cadáver do irmão para um beco próximo onde  dando graças  a Deus seria possível escondê-lo.
   Em seguida segue para o casarão em busca de participar aos demais o que se passara. Com a alma envolta em dor atravessou a porta da casa e subiu as escadas. O peito arfava, parou por uns instantes para em seguida principiar a despertar cada um dos dois irmãos em seus quartos. Por último chamaria Juliano, o mordomo. Eles na certa em consenso saberiam o que deveria ser feito.
    Esperou Higor impaciente os irmãos na sala de estar sob a penumbra das velas.   Um a um eles se reuniram assombrados com a atitude do rapaz. “O que poderia levá-lo a tal procedimento?” Era o que indagavam consigo próprios.
   Mais aflitos ainda ficaram quando este atirou-se de costas para a parede e vertendo lágrimas pronunciou: - “O Dimas.. -  Eu matei nosso irmão Dimas”.
   O pânico apossou-se de todos e quase em uníssono indagaram: -“O que houve, como sucedeu-se essa tragédia”, acrescentando em seguida da mesma forma num mesmo palavreado: -“E o corpo? O que fez do corpo?”.
      - Está oculto num beco próximo ao local onde deu-se o incidente – foram as palavras de Higor.
     - Juliano trate de preparar-se para seguir com Higor ao local. Trarão os dois o corpo de Dimas para nossa casa -  foi a fala incisiva da irmã mais nova  Vitória  a dar a ordem.
    - Eu e Norberto trataremos enquanto isso de encontrar uma maneira de como livrarmo-nos do cadáver de nosso querido irmão. – Vamos apressem-se.
    Juliano e Higor cumpriram as ordens de Vitória.
    Lançar o corpo do irmão nas chamas do aquecedor do porão foi a solução encontrada por Norberto e Vitória. Isso se daria ainda aquela noite quando regressassem com o cadáver.
    E juntos, Vitória e Norberto, começaram a contar o tempo que batia cadenciado no relógio de pêndulo num dos cantos da sala.
    - Meu Deus, como faremos isso Vitória? Na certa haveremos inclusive de esquartejar o corpo de Dimas para lançar os pedaços no pequeno forno do porão que nos serve de aquecedor na casa.
    - Juliano que trate dessa parte, o que mais podemos fazer? Ou tem você ideia melhor? – retrucou a moça.
    O silêncio estabeleceu-se no ambiente e impacientes aguardavam, sem poder um cruzar o olhar do outro . Omissos em qualquer emoção ou possibilidade de pânico.
    Enquanto isso, Juliano e Higor, que munidos de uma lona que o mordomo providenciara carregavam o corpo por caminhos ocultos pelas vielas próximas. Foram então repentinamente surpreendidos por dois cães que ladrando os assombram e encurralam.
    Sem poder avançar na caminhada ambos já exaustos pelo peso do corpo de Dimas não dão conta de vencer a fúria dos dois cães que avançam e fincando os dentes na lona desvencilham dela o defunto.
    Ao farejarem o sangue mais impossível tornam ainda a marcha e os dois homens veem-se indecisos, se fogem ou enfrentam os animais. Correm então em estado de desespero os dois num mesmo rumo aos atropelos. Não percorreram um caminho muito longo quando repentinamente Juliano aos tropeços leva uma queda e cai estirado de costas no chão. Higor pára em sua fuga e se dá conta que o outro ficara para trás. Volta-se e vê Juliano caído de costas. Aproxima-se e para seu espanto, sangue escorria da cabeça deste. Chacoalhou o corpo e estarrecido percebe que o mordomo já não respira. Havia batido com a cabeça numa pedra com a queda. E o ferimento profundo o matou.
    Maior então é a aflição que se apossa do rapaz. “Santo Deus e agora que farei?” Indaga ele de si no silêncio da noite.  Toma o caminho de volta para o local onde ficaram os cães e o corpo do irmão.
    Ao chegar ao local um terceiro cão já se unira aos outros dois e na certa esfomeados que se encontravam, já devoravam o corpo frio de Dimas. Higor tomado por fúria começa a jogar pedras nos animais procurando afugentá-los.  Jamais deveria ter tido tal atitude, pois enraivecidos os três cães partem para cima dele, que busca fugir, desta vez indo rumo a uma estreita ponte por sobre um riacho por sinal de altura considerável. Mal deu cinco passos por sobre o abismo os cães o alcançam e atacam ferozmente. O rapaz desequilibra-se e vê-se lançado precipício abaixo. Esse foi seu final.
     Enquanto isso no casarão, Norberto e Vitória, impacientes com a demora dos outros dois, ora caminham pela sala, ora sentam-se com o olhar perdido na penumbra das velas. O tempo foi passando e quando menos se deram conta o claro do dia invadia o ambiente.
     Vitória então, como sempre incisiva em suas atitudes, dirigi-se a ir Noberto e diz:
    - Bem já sei comigo que algo de trágico se deu. Não demorariam até o dia amanhecer caso tudo tivesse ocorrido a contendo. Sabemos o que temos de fazer.
    Dirige-se ela ao cofre por detrás do quadro na sala , destrava-o e toma de um frasco com um líquido. Norberto sente o sangue gelar, sabia perfeitamente o que continha aquele frasco.
     Ele e a irmã, bem como os outros irmãos, nunca imaginaram que fosse necessário chegar aquele extremo. Possuíam sim aquele veneno, mas jamais cogitaram a possibilidade de que seria algum dia útil.
     Norberto então toma de dois copos de uma mesa onde havia algumas garrafas de bebidas,  despeja em cada um deles certa quantidade e  pousa os copos na mesa de centro da sala de estar. Virginia despeja neles praticamente em parcelas iguais o conteúdo do frasco. Em seguida os dois irmãos sem dar-se conta unem as mãos numa atitude comovente na certa, tomados de emoção jamais vinda até eles. Emborcam os copos e entornam o conteúdo em poucos goles, num lapso caem mortos ambos estendidos no tapete da sala já iluminada pelos raios de sol da manhã.


                                                       FIM